Edna Lautert

Faço do tempo um elemento na eterna tentativa de construir uma vida com mais graça e com mais cor.



sábado, 17 de maio de 2014

O homem que sabia dar uma boa pegada


O ‘Cisca’, como diziam as vizinhas, vivia de “caçar a mulherada”. Nem era bonito, o vivente, mas era conhecido pelo jeito especial de “pegar”.
Até a chegada de uma discreta moradora do 703. A mulher era bela, elegante, e….. “perversa”, como Paulo Rogério costumava identificar uma mulher bonita.
Antônia, assim que mudou para o local ouviu qualquer coisa a respeito do Dom Juan do 501, mas nem tomou conhecimento. Não gostou muito da mania daquele povo de sentar à sombra no final da tarde para fazer fofoca da vida alheia, e se mantinha distante.
Mas, a fofoca maior não conseguiu evitar: passadas duas semanas, nas rodas de conversa, dia sim, outro também, a pergunta era uma só: quando é que Paulo Rogério iria ‘pegar’ a megera do 703.
De pergunta virou aposta. De aposta obsessão. Paulo Rogério decidiu conquistar a ‘megera’, e, aos poucos, se tornou ‘escravo’ dela. Porém, algo saiu errado. E ele não tinha ideia de como consertar.
-Por mais que eu insista, ela não me dá uma chance. Não consigo mais dormir, sonho com essa mulher – desabafou. E, nesse dia assinou sua sentença diante dos ‘amigos’. Logo o vilarejo todo sabia do fracasso de Paulo Rogério, que havia sido derrubado por uma flecha do amor.
Em uma manhã Antônia preparava-se para ir ao trabalho, quando a campainha tocou.
A chegada de um buquê de flores, acompanhado de um largo sorriso, derreteu o gelo entre a dona da casa e a entregadora. E, a partir daquela manhã Antônia passou a receber a visita de Ana Maria, diariamente. A moça fora contratada por Paulo Rogério para levar flores para sua amada. E, com isso, ajudá-lo a derreter aquele coração.
Apesar de todos os presentes, Antônia nunca devolveu uma linha sequer. E, naquela noite, Paulo Rogério resolveu tomar uma decisão: vou pessoalmente ao apartamento dela. Terá de me responder. Ou sim, ou sim também. – e riu.
Era véspera de Natal e Antônia chegou molhada pela chuva, e até sorriu para ele ao avistá-lo na janela. Paulo Rogério pensava que seria a noite ideal. Deixou passar algumas horas, para não demonstrar a ansiedade. Então seguiu em direção ao apartamento de sua amada. Deu dois toques e a porta abriu. De certo a vizinha esqueceu de trancar. Quando começou a entrar na casa ouviu gemidos, e sussurros. Mas não parou. A curiosidade aguçava mais que o desejo de domar a fera e depois “largar”, conforme o combinado durante uma das tantas apostas que fez.
Tomou coragem e empurrou a porta do quarto. Parou, estupefato: a visão bloqueou seu pensamento. A véspera de Natal transformou-se num pesadelo do qual não conseguia acordar. Na cama, Ana Maria e Antônia trocavam carícias e juravam amor. Enfim, Paulo Rogério recebia a resposta que vinha procurar.

MORAL DA HISTÓRIA: se algo é vital, não mande outro em seu lugar!


Os versos que te fiz

Repare agora meu triste sorriso,
Qual abismo de sombra e de dor
E meus olhos, emaranhados
Estão bem cansados, de chorar de amor.

Veja esta tela, que pintei teu rosto,
Antes do desgosto de sofrer por ti.
Nela estava escrito – amor pra vida inteira,
Não restou poeira, do que eu vivi.

E mais que isso tudo,
É esse verso, mudo
Que tentei escrever em noites de verão.

Que, tal qual a rosa,
Foi desabrochando,
Depois foi murchando...

Jogado ao chão!

O filho do capitão


Jurema era uma jovem de 15 anos. Pouco sabia sobre a vida. Filha de costureira, separada do marido, que ganhava a vida com dificuldade, vestia-se das sobras da irmã mais velha, e, muitas vezes costurava o próprio calçado, para reaproveitá-lo em sala de aula. A mãe, aos poucos, perdia o tato para a costura. E Jurema via-se obrigada a trabalhar como diarista para levar dinheiro para casa.
 Moça bonita, e esguia, chamava atenção por onde passava. Aprendia com a vida, e com os patrões, algumas coisas sobre civilização, já que a família pouco ensinava.
Na escola era alta demais, bem mais velha que a maioria dos colegas. Por ser alta, ganhou o apelido de ‘Vovó Girafa’. E não fosse pela idade, ela realmente poderia ter sido uma girafa, dada a altura que a difundia dos demais.
Alheia a hipocrisia das pessoas, Jurema construiu seu próprio mundinho, e vivia muito bem, com seus calçados costurados, e suas colchas de retalho. Até que um dia conheceu o seu primeiro amor, o Eduardo, filho do capitão que residia nas proximidades de sua casa. Eduardo era bem mais velho, e inteligente. Jurema sempre gostou de pessoas inteligentes. Tinha um fascínio por elas. Mas, Eduardo além de inteligente era diferente, e entre uma dança e outra, o amor nasceu. Jurema nunca se importou pelo fato de ele ser filho do capitão. Não importava a graduação que o pai dele possuía – nem ela entendia muito de graduação, que importância isso tinha?
Viviam momentos de felicidade, durante uma dança e outra, nas tardes de domingo. Jurema passava a semana inteira esperando até que o domingo chegasse, para ganhar uns beijos roubados, com gosto açucarado de licor de amora, servido nas festinhas domingueiras.
Porém, um dia tudo mudou. Eduardo não apareceu. E sucessivamente, durante domingos a fio ele desaparecera da ‘domingueira’. Passados um mês, dois, nada. Até que Jurema estava perdendo as esperanças de reencontrá-lo. Já ensaiava uma despedida do grupo, nem queria ir mais naquelas festinhas bobas. Foi num domingo que dezembro, bem próximo do Natal, que ele resolveu voltar para a festa. Mas não veio sozinho. Entrou no salão de mãos dadas com outro amor. Jurema ouvia todas as músicas ao mesmo tempo, estariam tocando todas as músicas que ela e Eduardo dançaram durante o tempo que durou aquela fantasia de amor? Ou seria delírio de sua mente perturbada pelos últimos acontecimentos.  Sentiu na pele a dor do desprezo, e a angústia da despedida. Enquanto a música tocava, deixando em pedaços seu coração.
-Márcia, você viu, o Eduardo com outra? – ela quis consolo e foi buscar com sua melhor amiga. Porém, o consolo não veio. Pelo contrário, a resposta veio como uma lança, em seu peito.
-Sim, Jurema. É a noiva dele. Você sabe, ele é filho do capitão. O pai dele jamais deixaria uma morta de fome namorar com seu filhinho. E você, assim, tão jovem, nem deve entender direito o que é isso ainda.
Realmente ela não entendia. Mesmo assim, a lembrança daquela cena continuou fazendo seu peito doer, pela vida a fora.


FIM

quarta-feira, 3 de abril de 2013

Amor virou terra


Canto essa canção
Que lhe fala de amor
Novamente esse tema, tão banal
É que me brota da veia, essa necessidade
De lhe dizer coisas assim...
Em tempos de paz, o amor era farto
Mas vivemos em guerra, flagelo da alma
Somos terra, pó, relva molhada
Não temos mais nada a oferecer.
Em toda esquina há crianças chorando,
Há jovens matando, pra sobreviver.
Canto essa canção....que lhe fala de amor.
Conhece esse tema?
 (Edna Lautert)


Vida em flores


O vento lavou a relva da estrada
E encobriu os passos de nós dois.

Fecha a cortina, encerra o teatro
Já não há mais fato pra contar depois.

Não quero dor, nem despedida
São coisas da vida, tem que ser assim

Vão-se as flores mortas, de um amor doente
Ficam as correntes, e uma outra vida...

Cheia de esperança, chega a primavera,
e esta vida em cores,  restará mais linda!
( Edna Lautert)

A minhoca de São Francisco de Lima



Certa vez uma minhoca decidiu ser prefeita da cidade onde nasceu. E, para isso, estava convicta de que faria qualquer coisa. Por muitos anos havia trabalhado, em diversas regiões do país, e reunido uma grande fortuna, parte por seu esforço, outra parte pela ganância desmedida, que a fazia utilizar de expedientes não tão éticos para amealhar algum vintém. Esta parte, distribuída nas contas de seus “colaboradores”, uma vez que uma minhoca não possui agentes laranjas.
 A jovem senhora tinha um nome peculiar: Andorinha. Parecia piada, uma minhoca com nome de pássaro. Aliás, a piada residia justamente ai: uma minhoca com nome de pássaro, pretensa a ter poderes sobre os seres humanos. E foi assim que Andorinha lançou-se candidata. E, pior que isso: venceu as eleições. Seus colaboradores imprimiram uma campanha cheia de violência e agressões, intimidando, ameaçando e comprando quem viesse impor obstáculos. A minhoca da terra, temida por muitos, odiada por outros, bajulada por alguns, finalmente alcançou seus objetivos. E a cidade do brejo já podia contar com uma nova prefeita. Que mal assumiu o cargo começou a mostrar as unhas. Sim senhor, unhas de minhoca: cheias de visgo, da lama que encobria sua história de vida.
No dia a dia a minhoca Andorinha bancava a boa moça, vestia-se elegantemente, e aparecia em público como uma grande dama. Era durante os momentos em que o público não a via que a verdadeira face vinha à tona, uma face encoberta pela maldade, pelo rancor e o desprezo com os humanos. Dia a dia, a cidade do brejo via-se apodrecer, junto com sua prefeita. Pessoas sem saúde, sem emprego, sem asfalto, sem vida. Nada funcionava desde que a minhoca Andorinha passou a dormir na Prefeitura. E, o pior aconteceu: deflagrou-se uma greve geral, instalou-se o caos total. A multidão, enfurecida, batia na porta da Prefeitura. Queriam ver a nova prefeita, exigir que cumprisse com as promessas de campanha. Enquanto isso, ela descansava, faceira, nas praias de São Francisco de Lima. (Edna Lautert).


quarta-feira, 29 de junho de 2011

ROSEIRAL


Havia um tempo, no Roseiral, em que tudo era frieza, e as confusões humanas aumentavam. A desculpa era que o amor adoecera, e que a fraternidade não merecia mais crédito. 
Os humanos viviam em constante flagelo na alma, pois não conseguiam ouvir os sinais do amor em meio à multidão. Repensá-lo tornou-se uma meta difícil.
Devido ao turbilhão de vozes e aos milhares de pares de mãos acenando, as escolhas, muitas vezes, eram equivocadas. Dava-se crédito a bens materiais, e a pessoas que pregavam o fim da paz e da sobriedade. As mãos que acenavam eram mãos que confundiam o olhar, por serem belas e delicadas, mas na verdade serviam como alucinógenos para quem não enxergava mais com o coração: vencia a futilidade, a ganância, o ego, a falta de pudor, o abandono, e o mundo transformava-se em um estranho espinhadeiro.
Não muito longe, porém, gritos de liberdade ecoavam pelos campos e chegavam ao Roseiral: eram vozes daqueles que ainda ousavam acreditar no amor e no seu renascimento diário. Eram os loucos que alimentavam os famintos do vilarejo das Trevas. E que a cada dia plantavam uma semente para florescer no futuro, enquanto a humanidade não encontrava a existência plena, por não ouvir seus próprios sentimentos.