Edna Lautert

Faço do tempo um elemento na eterna tentativa de construir uma vida com mais graça e com mais cor.



sábado, 17 de maio de 2014

O filho do capitão


Jurema era uma jovem de 15 anos. Pouco sabia sobre a vida. Filha de costureira, separada do marido, que ganhava a vida com dificuldade, vestia-se das sobras da irmã mais velha, e, muitas vezes costurava o próprio calçado, para reaproveitá-lo em sala de aula. A mãe, aos poucos, perdia o tato para a costura. E Jurema via-se obrigada a trabalhar como diarista para levar dinheiro para casa.
 Moça bonita, e esguia, chamava atenção por onde passava. Aprendia com a vida, e com os patrões, algumas coisas sobre civilização, já que a família pouco ensinava.
Na escola era alta demais, bem mais velha que a maioria dos colegas. Por ser alta, ganhou o apelido de ‘Vovó Girafa’. E não fosse pela idade, ela realmente poderia ter sido uma girafa, dada a altura que a difundia dos demais.
Alheia a hipocrisia das pessoas, Jurema construiu seu próprio mundinho, e vivia muito bem, com seus calçados costurados, e suas colchas de retalho. Até que um dia conheceu o seu primeiro amor, o Eduardo, filho do capitão que residia nas proximidades de sua casa. Eduardo era bem mais velho, e inteligente. Jurema sempre gostou de pessoas inteligentes. Tinha um fascínio por elas. Mas, Eduardo além de inteligente era diferente, e entre uma dança e outra, o amor nasceu. Jurema nunca se importou pelo fato de ele ser filho do capitão. Não importava a graduação que o pai dele possuía – nem ela entendia muito de graduação, que importância isso tinha?
Viviam momentos de felicidade, durante uma dança e outra, nas tardes de domingo. Jurema passava a semana inteira esperando até que o domingo chegasse, para ganhar uns beijos roubados, com gosto açucarado de licor de amora, servido nas festinhas domingueiras.
Porém, um dia tudo mudou. Eduardo não apareceu. E sucessivamente, durante domingos a fio ele desaparecera da ‘domingueira’. Passados um mês, dois, nada. Até que Jurema estava perdendo as esperanças de reencontrá-lo. Já ensaiava uma despedida do grupo, nem queria ir mais naquelas festinhas bobas. Foi num domingo que dezembro, bem próximo do Natal, que ele resolveu voltar para a festa. Mas não veio sozinho. Entrou no salão de mãos dadas com outro amor. Jurema ouvia todas as músicas ao mesmo tempo, estariam tocando todas as músicas que ela e Eduardo dançaram durante o tempo que durou aquela fantasia de amor? Ou seria delírio de sua mente perturbada pelos últimos acontecimentos.  Sentiu na pele a dor do desprezo, e a angústia da despedida. Enquanto a música tocava, deixando em pedaços seu coração.
-Márcia, você viu, o Eduardo com outra? – ela quis consolo e foi buscar com sua melhor amiga. Porém, o consolo não veio. Pelo contrário, a resposta veio como uma lança, em seu peito.
-Sim, Jurema. É a noiva dele. Você sabe, ele é filho do capitão. O pai dele jamais deixaria uma morta de fome namorar com seu filhinho. E você, assim, tão jovem, nem deve entender direito o que é isso ainda.
Realmente ela não entendia. Mesmo assim, a lembrança daquela cena continuou fazendo seu peito doer, pela vida a fora.


FIM

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